terça-feira, 3 de maio de 2011

Dentro de um auto-retrato



Sobre mim,
Já nem sei escrever,
As palavras que outrora me saíam em catadupa,
Agora teimam em ficar presas.
Sou apenas eu:
Nasci numa noite pintada de aguarela,
Cresci de dia e aprendi com a noite,
Procurei o saber mundano,
Conheço uma gota, desconheço um oceano.
Eu vejo vozes e ouço vultos,
Sou uma afrontação à banalidade,
Contrario os ideais.
Por vezes já não reconheço o que não é aprovado,
Os horizontes confundem-se tão espontaneamente,
Como um daltónico desarranja as cores do arco-íris raiado.
Sonho, acordada e a dormitar,
Ambiciono, não enxergo negativismo em ambicionar,
Luto, não deixo que ninguém o faça por mim,
Alcanço, metas e abismos porque a vida é mesmo assim.
Visto um sorriso inconsequente,
Sugere erudição da acção,
Mas não sorrio por sorrir,
Sorrio para ser consequente.
Eu não escrevo o que é correcto escrever,
Questiono o sentido dos versos,
Vejo-os de ângulos inversos,
Não escrevo aquilo que todos gostam de ler.
Viajo até sem sair do mesmo lugar,
Navego pelos rios da ilusão,
Até que desagúem no mar da realidade,
Gosto de jogos linguísticos,
São infinitamente ricos,
Alimentam o papel branco, mudo.
(Se fosse só o papel)
Se me dessem um pincel,
Não saberia que traços seguir,
Mas talvez me pintasse de nuvem,
Algo distinto da trivial figura humana,
Gosto de divergir da realidade.
Vejo-me dentro de um auto-retrato,
Temporário.
A realidade não é perene.
Já nem sei escrever novamente,
E o papel continua mudo.
(Se fosse só o papel)
(2007)

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Inexorável




Despercebido surge o singelo e belo primeiro olhar,
Nada pára, senão o meu mundo e o teu,
Porque naquele momento o mundo é nosso,
E eu paro só para te observar.

Anda dançar comigo meu bem,
Vem que aprenderemos os passos e iremos mais além.
Dancemos noutro lugar, onde o sol não cabe,
E a lua não quer ficar.

Prometendo tornar-se memorável,
Ele permanece inexorável,
E nós continuamos a dançar...

Ele é a quimera que o poeta inventar,
Ele é amor: porque um dia alguém ousou sonhar.

domingo, 5 de dezembro de 2010

The Pretty Reckless - Zombie

    Devo admitir que estou deveras surpreendida com os dotes musicais da Taylor Momsen. Adorei a sua intensidade acústica, embora reconheça algumas falhas. Ainda assim, tem uma voz fantástica. 
    The Pretty Reckless: acabaram de ganhar uma fã. 

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Ad Astra

      
      Ordinariamente abres os olhos e não identificas o teu próprio reflexo, falas e a tua súplica soa-te insondada, conheces e por rompante desconheces. 
      As sombras que dançam à tua volta, apenas dançam e o tempo pára para te observar (detém-se somente para ti porque o mundo é teu, pertence-te). 
      Só enxergas silhuetas pelos confins do recanto a que te aprisionas e todas elas parecem distantes. Queres sorrir e sorris com inocuidade sem perceber porquê mas percebes que um sorriso vale a pena.
      O desejo de voltar a casa assola-te mas não consegues desvendar o seu paradeiro. Queres voltar a casa mas não está lá ninguém, por isso voltas a cometer os mesmos erros.
      Egoísta, admites que o foste e reconheces que não corresponde à métrica. Agora, vagueias num espaço que não te pertence porque o teu se dissimulou e procuras o caminho para casa.
      Quando o sorriso se apaga do teu rosto, as lágrimas percorrem trilhos curvados na procura dos teus olhos porque eles guardam o mundo; estas são então forçadas a enfrentar a tua força que as seca e as batalha, contudo, há então o momento em que a tua respiração desacelera e deixas a tua guarda para trás; foges com elas e com elas deixas um brilho triste nos teus olhos. O coração chora contigo, não consegues encontrar os teus sonhos e queres desistir.
      Entretanto, lembra-te: a força em ti nunca falece, só adormece; sentes-te rejeitada pelo mundo mas lembra-te que uma vez também o rejeitaste, antes de ser teu.
     Achas o mundo bonito mesmo sem o conheceres, acreditas no bem mesmo que vulgarmente encontres o mal. O mundo é teu, não o conheces mas ele brilha nos teus olhos. Pertence-te mesmo quando o deixares porque uma vez o conquistaste, não com feitos heróicos como Hércules fez mas sim com a tua existência que nada de novo nos ensinou mas que uma vez provou que amar um sorriso vale mais do que conquistar impérios e nações.
     As quimeras que te enganam desfazem-se quando abres os olhos e mesmo que não reconheças o teu reflexo, a tua voz e o teu saber, és tu. És tu mesmo quando não te reconheces porque mais ninguém o pode ser por ti nem nunca o serás por ninguém.
     Quando te disseram que ias perder, perdeste sim mas acabaste por ganhar algo mais. Podes ter perdido muito mas ganhaste algo que ninguém te pode tirar, o mundo.

  

domingo, 28 de novembro de 2010

Asas sem represálias


uma brevíssima dissertação sobre a essência da "Liberdade"

      Notoriamente o tema “Liberdade” evoca, conotativamente, uma analogia trivial entre o Homem e o céu: aglutinações com elementos celestiais como as asas e a sensação de poder voar, sem limites e sem rumo. Socialmente, assenta na harmonia das relações e filosoficamente debruça-se sobre a ausência de submissão, de servidão e de determinação, ou seja, qualifica e constitui a condição dos comportamentos humanos voluntários. 
      Como modular, então, este conceito?

      Numa tentativa de conciliar o plano histórico que rege a máquina do mundo e a liberdade, podemos discriminar esta como sendo uma acção subjectiva em virtude de condições objectivas. Isto é, a História no seu plano mais imparcial, pois a liberdade sempre foi, ao longo dos tempos, proclamada como um instrumento libertador para todas as opressões humanas. Releve-se o exemplo mais exímio, a Revolução Francesa, a luta pela libertação da opressão da sociedade de ordens.

      Entretanto, resta tentar compreender e discernir se a liberdade se refere a um desejo ou a um estatuto personificado. Clarifique-se de imediato que a liberdade é deserta de átomos, e portanto, impossível de aprisionar materialmente e assim, remete-se para um desígnio mais abstracto de desejo e/ou sensação. De uma maneira muito generalizada poderá dizer-se que a liberdade é a autonomia e a espontaneidade de um sujeito racional. É querer e poder.

      Contudo, se estamos todos muito bem preparados para reclamar liberdade para nós próprios, menos dispostos parecemos para reclamar sobretudo liberdade para os outros ou para lhes conceder a liberdade que está em nosso próprio poder. Se reconhecêssemos melhor a máquina do mundo, talvez descobríssemos que muita tirania se estabelece fora de nós como se fosse a projecção ou como sendo realmente a projecção das linhas autocráticas que temos dentro de nós. Frequentemente nos queixamos dos ditadores que nos oprimem ou que nós mesmos somos para os outros e até para nós próprios mas também frequentemente nos esquecemos que vivemos reprimindo todas as tendências que nos parecem pouco sociais ou pouco lucrativas. Assim, distingue-se uma dualidade comum humana, entre as nossas linhas interiores autocráticas e o desejo de liberdade.

      Em jeito de conclusão, a liberdade é metafísica, ou seja, é relativamente delicado definir onde reside mas, uma coisa é certa, a liberdade e o Homem revelam um uma relação inalienável de sinonímia, isto é, a liberdade reside no homem e só a partir dele é que se difunde no mundo. É a sua subjectividade que influencia a objectividade no mundo e daí deriva o seu estatuto de bem essencial como instrumento regulador da vivência em sociedade. A liberdade não consiste somente em fazer o bem, é preciso errar conjuntamente. Cabe a cada um de nós continuar a acreditar na libertação da opressão e no sentimento de felicidade e tranquilidade que esta anexa para que possamos desenhar as nossas asas sem represálias.

      Lembrando Rousseau: “São a força e a liberdade que fazem os homens virtuosos. A fraqueza e a escravidão nunca fizeram nada além de pessoas más".


sábado, 27 de novembro de 2010

Ode do Tejo




Ainda hoje encantas com o sol que te abrilhanta,
És natureza, és História, és a glória,
És a glória de um povo que nunca te esquece,
E por isso, eu canto para ti.

Tejo, da eterna quimera nasce a miragem,
E tu emparelhas uma miragem soberba,
Retratos de viagens, descobertas e conquistas,
És o esplendor de um país grandioso que sobre ti se ergueu.

Assim, quero escutar o horizonte em meu contorno,
Quero ser o pássaro que voa mas não sabe voar,
Quero saborear o horizonte em ampla calma,
E pouco a pouco aprender a navegar.

Quiçá, fui conquistada pelo mar na ataraxia,
E pelas suas ondas suaves que ecoam no meu pensamento,
Quiçá, fui seduzida pela maresia na sua plenitude,
E pela sua liberdade em pleno absorvimento.

Sinto que tenho três tecidos de pedra em cima de mim,
Mas quero crescer e ser grande,
Quero correr e viver o mundo,
Para aprender a ouvir o vento a jusante.

Tejo, por fim te confesso,
Sou como um rio que não te corre pelas veias,
Pois sou também o barco que te navega.

Sou a naturalidade que primordialmente delineias,
Sou Portugal.